quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Me perdoe, Marcelo! Parte 2

Enquanto conversava com o Dr. Michel, Júlio recebe repentinamente a visita dos pais, que num português fraco e com forte sotaque britânico, brigam incessantemente com o filho:
- Eu sabia que isso não daria certo! Não sei porque cargas d'água não te internei antes! Me disseram que é uma doença! Eu, o idiota não acreditou! Disse Paulo, pai de Júlio.
-Querido, Júlio não tá bem, nem em condições dignas agora. Vamos esperar ele se restabelecer um pouco e depois conversamos os três. Tudo bem assim, Paulo?
-Mas Janete, esse menino tem que aprender a ser homem! Homem que é macho não tem de frescura quando acaba um namorico! Pra falar a verdade, homem que é homem gosta de mulher! 
-Júlio está imóvel, sentado numa poltrona verde de couro com braçadeiras cromadas. Seus braços estavam suspensos, sua cabeça pendia para trás, sua boca parecia seca, entreaberta, liberava um som muito parecido com um rosnar, emitido por Júlio de propósito, claro! 
-Esse moleque não respeita mais ninguém, Janete! Eu faço de tudo por ele e ele me retribui assim! 
-Assim como, pai? Amando alguém?
-Amando um homem. Isso tá errado, todos sabem disso. Te dei um apartamento porque não queria você e seus amigos esquisitos na nossa casa, me mudei pra trabalhar fora do país, onde ninguém sabia de você. Estavam ótimos esses cinco anos sem ouvir falar sobre você, suas festas, seus amigos, seus casos, sua, sua... bichice!
-Sai daqui Pai. Disse Júlio, que estava ajoelhado sobre a poltrona e apoiado sobre as grades da janela.
-Paulo, por favor... Você prometeu... Disse Janete com os olhos marejados.
-Você tem dois dias. depois que passarem, ou paga sozinho ou sai desse hospital. entendeu?
-Vai tomar no...
-Júlio, pára! É seu pai!
-Desculpa, doutor.
-Senhor Paulo, é melhor que o senhor deixe o quarto, pelo menos por enquanto. Júlio está muito estressado. Por favor, retire-se.
-Te espero na cafeteria, Janete. 
-Tá. Vinte minutos.
 Janete sentou-se em uma cadeira de ferro que ficava ao lado da cama, encostada na parede. Janete era uma mulher robusta. Muito baixa, tinha lá seus noventa e cinco quilos. Sentou-se e ajeitou-se na cadeira pequena, com um ar altivo, pediu para que o doutor Michel se retirasse do quarto:
-Júlio, filho! Eu fiquei preocupada! Estou preocupada! Pare com isso! Você não entende? Está me deixando doente! Eu acabarei morrendo com você! O que aconteceu? Me diga!
-Nada.
-Não brinca comigo, filho! Eu viajei vinte e duas horas pra te ver, revi minhas amigas, que parecem saber mais sobre você do que eu, revi seus avós que ainda não sabem de nada, revi todos, que me olham como um monstro por não ter criado um filho de... Um filho decente! O que foi que aconteceu?
-Não te interessa. Sai.
-Eu vou chamar o seu pai.
-Vá chamar o diabo.
-Você me deve satisfações.
-Não, não devo. Fiz dezoito tem três anos. Ah é! Você não veio na minha festa. 
-Eu vim aqui seis vezes. Você sempre tomando esses anti-depressivos, dormindo, se alimentando mal e sempre com esse mal cheiro... O que aconteceu com você?
-É só isso? Drama? Sai daqui, mãe! Eu tenho mais no que pensar agora. Sai, mãe! Por favor!
-Posso voltar?
-Não sei.
-Quando?
-Não sei!
-Tá então, se cuida, te amo.
-Tchau.
-Júlio, não sou ninguém pra te julgar, mas menino! Sua mãe se importa com você! Por que a tratou assim? Disse, Michel ao entrar pela porta novamente.
-Ela não liga, padrinho. 
-Não se preocupe com as contas, seu pai não poderia estar falando sério.
-Será?
-Mesmo que estivesse, conte comigo.
-Uhum. Os olhos de Júlio começaram a se encher de lágrimas, sua boa secou e a única coisa que fez foi correr de encontro ao abraço do doutor Michel.
-Eu tô errado, doutor!
-Não, não está.
-Me ajuda?
-Sim, sempre!
-Me ajuda a achar o Marcelo?
-Claro que sim, meu peste! Disse Michel, secando o rosto de Júlio com um lenço de bolso.-Mas primeiro, me conta a história direito, Julinho.
-Uhum... O senhor tem tempo agora?
-Agora não, mas depois das seis não é meu plantão. Terei todo o tempo pra você.
-Tá. Obrigado, pai.
-Júlio...
-Tá. Obrigado, padrinho!
-Até depois.
-Até.
 Chegam seis e trinta e cinco, doutor Michel entra no quarto e encontra Júlio comendo frutas e bebendo suco. 
-Voltou a comer, menino?
-Deu fome.
-Hum, que bom! 
-Está gostoso?
-Normal.
-Ah... Vai me contar a história do bendito Marcelo ou não?
-Claro, doutor! Senta aí na beira da cama.
-Ok.
 De um momento pra outro, Júlio começa a se retorcer sobre a cama, grita, chama pelo doutro Michel e até chora. Momentos depois a crise do dor passa. Os olhos de Júlio estão muito vermelhos e sua boca meio arroxeada. 
-O que aconteceu?
-Então, doutor... Eu e Marcelo nos conhecemos  num...
-Estou falando do ataque de dor de cabeça!
-Ah, já me acostumei.
-Você chorou, Júlio.
-Tá, doutor. Vamos falar de mim ou não?
-Vamos falar dessa dor.
-Ah, padrinho!
-Nem, B nem C,D.E,X. Vamos ver e ponto! 
-Ai meu c...
-Olha a boca.
-Desculpa.
 Com uma lanterna bem próxima aos olhos de Júlio, doutor Michel pergunta numa escala de um à dez, qual é a intensidade de luz. Júlio responde seis. Michel desliga a lanterna, sai da sala e volta minutos depois com duas cartelas de controladores de enxaqueca.
-Pronto! Doeu?
-Sim.
-Pare de frescuras e me conte a história!
-Já conto, só me deixa ir no banheiro.
-Tá.


A segunda parte do conto ficaria muito grande, então resolvi separar ela em duas. Aguardem o final dessa história nos próximos posts! 


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